Lição 5: Enxugando frases e escrevendo sem rodeios
"As boas frases não têm o excesso de volume que a maioria dos escritores se sente tentada a incluir"
“Conforme cediço”, “neste viés”, “primeiramente”, “em outros termos”, “de outra banda”, “neste sentido”, “por fim”, “por oportuno”, “neste jaez”, “salienta-se”, “de fato”, “ademais”, “visto isso”, “de qualquer sorte”, “registra-se”.
Essas palavrinhas iniciam pouco mais de quinze parágrafos de uma ação patrocinada por um grande escritório de Brasília e são repetidas algumas vezes.
Você provavelmente acabou de pensar em outras, como “nesse ínterim”, “no âmbito de” etc. Elas exercem a mesma função de servir para absolutamente nada. São desprezíveis e atrapalham a leitura.
Fácil visualizar nos outros, mas é um cacoete de escrita que quase todos temos, não é?
Em Fundamental Principles of Legal Writing (2002), Bryan A. Garner nos lembra de algo há muito esquecido pela maioria dos advogados: escrever sem rodeios e em frases simples declarativas. Ao contrário do que muita gente pensa, isso não é fugir do juridiquês (e se fosse, eu diria: fuja!!).
Ele cita o exemplo de Ronald Dworkin em Law's Empire, na primeira página do livro:
Garner afirma que “a partir desse início, somos levados ao desenvolvimento do argumento em toda a sua rica variedade por mais 413 páginas. Durante todo o tempo, Dworkin trata seus leitores com frases declarativas que dizem exatamente o que ele quer dizer. Ele não precisa de qualificações incômodas; não tem reflexões posteriores inadequadas; não usa sintaxe obscura para discutir teoria do direito” (tradução livríssima)1.
É mais fácil fazer isso em uma peça jurídica do que em um texto de filosofia. Juro:
Nossos hábitos de escrita fazem com que uma argumentação como a que acabei de demonstrar cause estranhamento e pareça insuficiente. Mas rapidamente se vê que toda a comunicação necessária está aí.
Em um processo que li recentemente, o exequente precisava requerer ao juízo a concessão do benefício da gratuidade da justiça.
Bastava informar que “a análise do pedido de concessão do benefício da gratuidade da justiça não foi realizada na origem. A exequente é hipossuficiente, conforme os documentos que acompanham a petição. Assim, requer a concessão do pedido e o prosseguimento do feito com a isenção de custas”.
Mas o advogado achou por bem fazer isto:
E isso segue por mais uma página. Essa forma de escrever sugere que seu leitor é estúpido. Não adianta chamar de nobre se você tira o juiz para otário.
E lembre-se: “As boas frases não têm o excesso de volume que a maioria dos escritores se sente tentada a incluir” (Garner, 2002, p. 68).
Recomendações
A primeira recomendação é apenas indiretamente relacionada ao objeto da newsletter.
O Programa de Pós-graduação em Direito da USP já tem Edital: https://www.fuvest.br/Direito. Caso alguém queira uma ajuda no processo seletivo de 2025, estou disponível pelo e-mail. Fui aprovada no PS anterior para ingresso em 2024.
O livro “Quack this Way: David Foster Wallace & Bryan A. Garner Talk Language and Writing”. O livro é a transcrição de uma entrevista. Não conheço tradução e ainda procuro a entrevista online.
As recomendações estão escassas, então fiquem com com o gatinho Alfredo intolerante com esse tanto de palavra desnecessária sendo usada por aí.
Como filósofo, Dworkin é um excelente advogado.